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segunda-feira, 11 de abril de 2011

BOSSA SIMPLES NOVA


     Foi ao observar o barquinho no mar, as pessoas na areia, a natureza e as cenas simples do cotidiano carioca que Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto criaram as primeiras canções da bossa nova. Como as ondas do mar, infindáveis e constantes, nasceram as batidas simples e compassadas desse ritmo meio jazz com gingado verde e amarelo que expressa em seus acordes a raça multicultural e cheia de traços dos brasileiros.

     Os três falavam através das letras e melodias que tais cenas, humildes como são, determinam uma existência intensamente feliz. E para a bossa, o universo se resume à felicidade. A bossa da bossa é justamente contar e cantar a felicidade mesmo que ela esteja oculta em um amor perdido, uma tristeza passante ou não passada. Para a bossa, amar e sofrer são inseparáveis, e só quem consegue amar um barquinho ou um banquinho é realmente feliz.

     “Chega de Saudade” – a primeira canção -  veio pelas mãos de Tom e Vinicius e voz de João. O 78 rotações imortalizou o estilo de compasso ritmado e cheio de frescor que trazia em sua batida.

     Logo Chega de Saudade estava na boca de todos. Eram as vozes de Silvinha, Nara, Lúcio, Dick e João que representavam na música o que de melhor a juventude dos anos 50 havia produzido. Era esse vigor da pouca idade que fazia sobreviver até no mais velho dos corpos uma brisa de esperança em um país que prometia ser do futuro.

     Não demorou para o desafino inebriante fazer grandes nomes internacionais se embriagarem. Primeiro os ouvidos de Frank Sinatra e depois instrumentistas geniais como Charlie Parker e Stan Getz foram atraídos pelo jeito fácil, porém profundo de tocar. Um ritmo brasileiro com sotaque mundial. A unidade do todo e o todo na unidade. A simplicidade que condensa os mais complexos desejos humanos expressados em poucos acordes e desafinadamente.

     A arte de Tom, João e Vinicius não era a música ou poesia e sim a bossa. E bossa não é música, mas um estado de espírito, e colocou o Brasil em transe há mais de 50 anos.


                                         Chega de Saudade na versão de 1959







sexta-feira, 1 de abril de 2011

MULHER IMPRESSA EM PELÍCULA

     De mulher o cinema entende. É um velhinho que sabe explorar com profundidade as curvas do universo feminino e admirar suas musas.
     Louise Brooks em A Caixa de Pandora, filme de 1929, deixou as pessoas perplexas e cheias de sonhos libidinosos com sua personalidade forte e olhar hipnotizante, sem falar no corte de cabelo que virou moda  e pode ser visto até na cabeça de Mayana Moura na novela Passione (apesar desta não ter a mesma beleza). Marilyn Monroe teve seu vestido branco levantado e se viu (e foi vista) como o maior sex symbol de todos os tempos. Os olhos de Bette Davis viraram  música de Donna Weiss e Jackie Deshannon. Greta Garbo, mesmo com aquela beleza estonteante, preferiu ficar só (I want to be alone); Cyd Charisse quebrou as pernas de todos quando mostrou as suas em Cantando na Chuva.
     Não quero citar nem me conter: a boca de Angelina Jolie, o estilo de Diane Keaton, a sensualidade de Scarlett Johansson, os olhos de ELizabeth Taylor, a pinta de Eva Mendes, a competência de Jodie Foster. E por aí vai uma lista de detalhes grandiosos que não (graças à Deus) tem fim.
     Os títulos de filmes com nomes femininos geram outra lista: Laura, uma femme fatale das piores, ou das melhores dependendo da posição; O Segredo de Vera Drake, uma altruísta fora-da-lei, mas que não é a mulher de Robin Hood; Erin Brockovich, que tem uma penca de filhos e uma mixaria no bolso mas dá a volta por cima. E esta lista também é interminável, basta pesquisar no site IMDB. Existe até Tootsie, uma mulher das mais esquisitonas, pois a verdade é que ela... bem, deixa pra lá, melhor ver que ler.
     Mulheres Perfeitas as tem como robôs criados para controlar, E O Vento Levou...  como a força da natureza. A mulher se tornou o Diabo no filme que lançou Brigitte Bardot, mas em As Pontes de Madison a mulher é o anjo da vida de Clint Eastwood. Thelma e Louise mostraram como é ser livre, porém em Monster a personagem era sua própria prisão. Meu pé Esquerdo é um filme de filho para mãe e Num Lago Dourado de pai para filha. Em Baleias de Agosto, irmãs são para toda hora. A Festa de Babette mudou para melhor a vida dos convidados, em Quem tem Medo de Virgínia Woolf o casamento nunca mais foi o mesmo.
     Mas para ter tantas deusas assim, houve a urgência de profissionais com talento, competência e apaixonadas pelo que fazem. E o cinema é este vovô de 100 anos com energia de 20 que sabe explorar, no bom sentido, a mulher.
    O importante é que Garbo ainda ri e é a mais bela, Marilyn a mais sexy e Carmen a mais deliciosamente extravagante, e elas estão impressas em película.




                                                                                                    Crédito Vídeo: Rangel Librelato




                                                                                Música: Bette Davis Eyes      Interp. Kim Carnes

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA


     Em Hollywood reza a seguinte lenda: para ganhar um Oscar interprete algum papel que espelhe as indignações e manias da sociedade politicamente correta. Por exemplo: se for bonita, se apresente como feia (Charlize Theron em Monster, Elizabeth Taylor em Quem tem Medo de Virginia Woolf?); viva alguém com alguma síndrome (Tom Hanks em Forrest Gump, Dustin Hoffman em Rain Man, Russel Crowe em Uma Mente Brilhante); esteja no fim da carreira e da vida (Katharine Hepburn e Henry Fonda, ambos em Num Lago Dourado, Jessica Tandy em Conduzindo Miss Daisy); faça um gay (Tom Hanks por Filadelfia, Willian Hurt em O Beijo da Mulher Aranha, Hillary Swank em Meninos Não Choram). Se nada idsso der certo, então interprete uma vítima ou personagem contundente do Holocausto (Roberto Begnini em A Vida é Bela, Adrien Brody por O Pianista). 
       Desta lista, apenas o último item nos interessa para justificar o primeiro Oscar ganho por Kate Winslet, não que ela não mereça, mas veio após ter sido indicada 5 vezes por papéis infinitamente maiores do que este.  Em O Leitor (The Reader/Ale/EUA/2008)  a atriz vive Hanna Schmitz, uma mulher fechadona por volta dos 35 anos que ajuda por acaso um adolescente que passou mal nas ruas de Berlim. Michael, o garoto, vai direto para a cama de Hanna e  para eles não há nenhum problema com a diferença de idade ou por não saberem muito um do outro. Mesmo com o caso se arrastando por meses o que importa é o sexo (ou o primeiro amor para o menino) e os livros que ele lê para ela a cada dia que se veem. Isso até a moça desaparecer subitamente.
    Os anos passam e Michael, já na faculdade, está a caminho de uma audiência que será discutida em aula, lá ele reencontra Hanna e temos a revelação de quem ela foi e - graças a Deus - a imaginação para supor as razões para as decisões que tomou.
    O diretor Stephen Daldry dirigiu As Horas e aqui repete a habilidade em lidar com temas complexos com fluência narrativa e delicadeza, mesmo que não ofereça retorno convincente para o que se propôs a discutir. Na verdade o filme, ou livro originalmente, resumiu praticamente toda a ação nazista em uma única teoria: os seres humanos seguem as leis, não a moral. Seguindo esta defesa de que leis e pessoas, de uma maneira geral, são simplórias e ao estender isso à Hanna, dá para supor que seu destino foi definido por um miserável abraço, aquele que Michael negou a ela.
      A personagem rendeu Oscar, Globo de Ouro e homenagens à sua protagonista. E tudo por que, além da competência e ao contrário da beleza da atriz, Hanna é feia, velha, tem a boca branca, cabelos desgrenhados e viveu a II Guerra.