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terça-feira, 18 de outubro de 2011

SANGUE NEGRO EXPÕE O LADRO NEGRO DOS NEGÓCIOS E DA ALMA

      São raros os filmes que conseguem unir arte e qualidade técnica sem perder o potencial de público. Sangue Negro (There Will Be Blood/EUA/09), de Paul Thomas Anderson, narra uma metáfora capitalista que envolve a igreja e as estruturas que formam o sistema econômico capitalista, ilustrada na figura de Daniel Plainview, um caçador de petróleo sem limites, que ergue seu império nos EUA de 1900 a custa de muitas vidas destruídas, inclusive a sua própria.
      Daniel é um homem frio e disposto a tudo para alcançar seu objetivo: extrair a maior quantidade possível de “ouro negro” em uma época pioneira. Portanto explora famílias, engana seus adversários e não se compadece nem quando seus empregados perdem a vida nas torres de perfuração.
      Seu lado mais negro fica exposto em uma cena de confronto com o jovem e fanático pastor Eli Sunday (Paul Dano), que cobra uma dívida pelas terras de sua família, sendo ele próprio a personificacão religiosa da ganância, e usa da fé para justificar sua distância do homem que ataca, para tentar esconder que são idênticos nos valores que cultivam.
      Essas vidas antagônicas, porém cúmplices na ambição, vão ilustrar a trajetória moral que transformaram os Estados Unidos na potência que são hoje. O trabalho marcante do consagrado diretor de Boogie Nights e Magnólia, teve boa parte dos resultados favoráveis graças a atuação de Daniel Day-Lewis. Conta-se que o ator passou a viver como o personagem, com seus maneirismos de falar e agir, e também nas atitudes no set como um homem cruel. Sua atuação é muito marcante, quase enlouquecida e mesmo encorporando alguém que emana repulsa, pelo motivo do ator ser alguém competente, toda antipatia que venha a ser experimentada,  isto pode se transformar em fascínio diante de uma personalidade que representa os aspectos mais negros dos seres humanos, e  que talvez ninguém escapa de se identificar.
      Ganhou o Oscar de ator e fotografia e é dedicado a Robert Altman, mestre do diretor. Paul Dano, que vive o pastor, ganhou notoriedade como o irmão caladão de Pequena Miss Sunshine. Se situa entre os grandes intérpretes desta nova geração, sendo a afirmação provada por, objetivamente,  não ter ficado apagado, ao contrário, diante de um monstro como Day-Lewis.


      Esta pérola do cinema tem o compromisso de refrescar o raciocínio sobre o modo de vida contemporâneo e modelo de pensamento vigente, mas sem desmerecer o entretenimento. Não que seja divertida, na vida real, a consciência de que muitos empresários ainda tenham valores similares ao do personagem central, o que é muito triste.


domingo, 25 de setembro de 2011

O SIM FUNDAMENTEAL

                Casamento no cinema, dentro e fora das telas, é algo corrente. Um centenário depois ele continua sendo o primeiro ou segundo plano de uniões que fazem os fãs sonharem com algo parecido, martelando o clichê do conto de fadas no que a vida real trata de cortar o barato.
                 A começar por Elizabeth Taylor, que ao invés do príncipe encantado, o sapo chegou e ficou, ou melhor, não ficou por que neste caso foram sete maridos, sendo a união mais famosa com Richard Burton, que começou nas filmagens de Cleópatra e acabou, como todas as outras, no tribunal litigioso.
           Lana Turner era dona de uma imensa beleza, fama e autodestruição, casou-se algumas vezes, obteve várias outras propostas, mas gostava de cafajestes, dando origem ao mais memorável “filme” sobre os bastidores de Hollywood: era amante do gângster John Stompanato. As surras que ele lhe ofertava eram quase diárias e de conhecimento público. Cheryl, filha de Lana, ao ver a mãe apanhando, cravou um golpe fatal de faca no mafioso. Muitos afirmam que a assassina foi a própria Lana, e pôs a culpa na filha por esta ser menor de idade, com apenas 15 anos.
         Woody Allen namorou Diane Keaton, casou-se com Mia Farrow e acabou com Soon-Yi, a filha adotiva desta. O episódio gerou farto material para a imprensa marrom, com Mia acusando o ex de pervertido e pedófilo. Mas Soon-Yi já é maior de idade e continua casada com Woody.
               Um dos mais celebrados casais do cinema clássico é Spencer Tracy e Katharine Hepburn, o curioso é que eles eram na verdade amantes, e a esposa de Spencer sabia de tudo. 
              Mas também existem “dias de vinho e rosas” quanto aos casais de astros, há aqueles que sustentam uma relação duradoura e tranquila: Paul Newman e Joanne Woodward levaram ao pé da letra o ‘até que a morte os separe’; Antonio Banderas e Melanie Griffith nunca se viram envolvidos em escândalos; Tom Cruise e Nicole Kidman fizeram o público quase acreditar que daria certo; o produtor Carlo Ponti fez os filmes que quis para a esposa e musa Sophia Loren (e o funeral dele foi velado por ela e as duas ex-esposas); Fellini e Giulietta Masima formaram uma fértil parceria na cama, aliança e nas lentes (viveram uma “la dolce vita” e morreram praticamente juntos).
             De qualquer forma, os casórios que deixam os fãs babando, perplexos ou revoltados, geram um valioso material produzido pela vida real e que eventualmente é utilizado pelo cinema, e para extrair tal material ficam necessárias apenas três palavras:

- Sim, eu aceito

                

sábado, 10 de setembro de 2011

Espíritos

"Quero fazer os poemas das coisas materiais,
pois imagino que esses hão de ser
os poemas mais espirituais.
E farei os poemas do meu corpo
E do que há de mortal.
Pois acredito que eles me trarão
Os poemas da alma e da imortalidade."
E à raça humana eu digo:
-Não seja curiosa a respeito de Deus,
pois eu sou curioso sobre todas as coisas
e não sou curioso a respeito de Deus.
Não há palavra capaz de dizer
Quanto eu me sinto em paz
Perante Deus e a morte.
Escuto e vejo Deus em todos os objetos,
Embora de Deus mesmo eu não entenda
Nem um pouquinho...
Ora, quem acha que um milagre alguma coisa demais?
Por mim, de nada sei que não sejam milagres...
Cada momento de luz ou de treva
É para mim um milagre,
Milagre cada polegada cúbica de espaço,
Cada metro quadrado de superfície
Da terra está cheio de milagres
E cada pedaço do seu interior
Está apinhado de milagres.
O mar é para mim um milagre sem fim:
Os peixes nadando, as pedras,
O movimento das ondas,
Os navios que vão com homens dentro
- existirão milagres mais estranhos?" 



(Walt Whitmann)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Norte, leste, oeste e sul

Faz quatro anos. 25 faz exatamente quatro anos que tive um sonho. Foi daqueles vívidos, tão real que me lembro perfeitamente, até da data. Foi assim:

"O lugar era muito árido, um deserto, destes com paisagem estourada do cinema novo. Havia uma multidão, pessoas com aspectos sofridos mas com expressões felizes, equilibradas, mas surradas. Eu estava de frente elas, era parte delas, eram parte de mim, sentia isso, não sabia isso. Eu estava feliz por vê-las, mas não conseguia me aproximar, me juntar à multidão, e era tudo que mais queria. Minhas pernas estavam travadas, por mais que quisesse não movia um passo. Estava feliz mas angustiado. Muito angustiado. Alguém saiu deste grupo eu o vi em um instante e veio em minha direção. Seu primeiro passo serviu para mim como uma gota d ´água para um sedento terminal, o que já seria um alívio, se não me adiantasse à consideração de que muito mais aquele breve e futuro contato me mataria a sede por completo. Sentia, não sabia. Esta criatura se aproximou, me tocou firme no braço e disse o seguinte: "Todos estes existem desta forma pois passou por você, seja agora você a passar por todos, mas por todos eles. Vigie-se portanto para não estar diante da multidão porém solitário." Virou-se e desapareceu dentre eles, mas antes de me largar me pediu a mão e pôs nela uma bússola.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

MILLION DOLAR DOG


Terrorismo americano
      O filme Marley e Eu (Marley and Me, EUA, 2008) repetiu o sucesso que o livro fez nas livrarias, à época foram mais de US$ 100 milhões de bilheteria nos primeiros 10 dias de exibição, o que deixa claro que fazer dinheiro em Hollywood não é assim um cão, digo, bicho de sete cabeças, pois basta ter um grande orçamento em caixa, reunir um elenco famosinho, basear-se em um livro de sucesso e manipular as emoções do público para que soltem algumas lágrimas durante e principalmente no final da projeção.
      A trama todos conhecem ou já ouviram falar: Marley, o pior cão do mundo, é adotado ainda filhote por um casal que acabou de deixar o altar (Owen Wilson e Jennifer Aniston), com o objetivo de lhes dar alguma ideia do que é ser pai e mãe. O que os pombinhos descobrem é que o tal cachorro é um destruidor hiperativo, que não obedece ninguém, come tudo que encontra pela frente e tem o hábito de praticar atos libidinosos em estranhos.
      A história aborda mais de dez anos da vida do casal e Marley serve como um coadjuvante que pontua os problemas e responsabilidades do matrimônio.
      O texto autobiográfico do jornalista John Grogan deixa evidente que há nuances (e muitas) de ficção, que serve para deixar a trama mais palatável e atraente. Não é difícil concluir, portanto, que a fonte-trajetória de Marley e Eu pode não ser tão engraçada quanto se faz pensar que o autor e sua visão é, mesmo que no filme e na realidade ele escreva uma coluna de imenso sucesso por conta de seu humor.
      As melhores sequências do filme, contudo, ficam com Alan Arkin, que faz o chefe de Grogan. Ele nunca ri, o que não o impede de ser engraçado, principalmente quando diz a seu subordinado como poderá ser seu casamento daqui a alguns anos. É terrível seus conselhos, mas de uma ironia surpreendente.
Felicidade universal
      Quanto a Kathleen Turner chega a ser constrangedor ver o que foi uma grande promessa dos 80 em um papel tão menor e ridículo em comparação com seu talento. E como ela está irreconhecível, fora de forma artística e física, em uma participação que demonstra tristemente seu declínio.
      O cão Marley é apenas um veículo para pontuar a vida do casal, ele não chega a ser fundamental na transformação destes como fez pensar a publicidade do filme, mas como diretor e roteirista foram bem treinados, lá pelo terço final da trama, quando o cão já está velho e moribundo, a lente se volta toda para ele, demonstrando uma manipulação picareta de emoções.
      Não é necessário muita qualidade para se fazer dinheiro no cinema, e Marley e Eu está aí para provar, mas apesar de tudo ele agrada, não exige compromisso e é indicado para os pais, tios, avós, crianças e cachorros.















sábado, 16 de julho de 2011

HOJE É SÁBADO

Vou postar este poema, porque hoje é sábado; lembrei dele apenas, porque hoje é sábado; e do Vinicius mais ainda, porque hoje é sábado; estou na prosta do descanso, porque hoje é sábado; e do pesar me desencanto, porque hoje é sábado; depois de amanhã retomarei, porque hoje é sábado; nem me replica o que direi, porque hoje é sábado; estou na cruz da minha íntima, porque hoje é sábado; e amanhã na minha lida, porque hoje é sábado; e tem as horas que consome, porque hoje é sábado; depois as horas quem me clame, porque hoje é sábado; é o ébrio que se veste, porque hoje é sábado; o diurno que além tece, porque hoje é sábado.


E postarei a poesia, porque hoje é sábado, esta matéria que me guia, porque hoje...é sábado:



O DIA DA CRIAÇÃO

Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.


Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criançinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado


Vinicius de Moraes


PS: Mensagem para o além:

Saudade Vinicius, desejo que esteja tão espírito aí quanto foi aqui. E divirta tantos desiludidos saudáveis quanto fez aqui. Tão baixo como foi e alto como disse.

domingo, 10 de julho de 2011

TARANTINO EM PLENA FORMA

Louco e genial Quentin Tarantino
                Logo após estrear um filme de Quentin Tarantino, imediatamente já se espera pelo próximo. É assim que acontece com alguns diretores e outros operários do cinema. Desde que o profissional seja digno de ser notado e capaz de unir crítica e público, o que é cada vez mais raro. O curioso é que Tarantino já foi acusado de ver esgotado seu arsenal de ideias e talento, e o destrato nem foi de toda maldade considerando que o cineasta ficou anos sem filmar ou anunciar um projeto. O silêncio foi interrompido por Kill Bill, espetáculo de vingança que faz referência aos filmes chineses de artes marciais dos anos 70, onde o diretor deixou claro que estava em forma artística e capaz de sustentar a fama de prodígio que conquistou com seu mega famoso Pulp Fiction.
               Bastardos Inglórios (Inglorious Bastards/EUA/09) é sua alegoria sobre como seria o assassinato de Adolf Hitler. Tudo começa com a visita aterrorizante do coronel Hans Landa (Christoph Waltz) – um oficial nazista - à fazenda de uma família que esconde um grupo de judeus. Descoberto o esconderijo todos são assassinados, à exceção de Shoshanna (Melanie Laurent), que escapa da chacina e que no futuro planeja o massacre do alto comando do III Reich. Aldo Raine (Brad Pitt) é um caipira americano que adora escalpelar as vítimas do grupo de extermínio que lidera, os Bastardos Inglórios, e que está em missão para também acabar com a vida de Hitler e seus aliados.
Paus e ferros verbal ou não em qualquer imagem
               Nesta trama, a princípio simples, a marca do diretor entra em cena com diálogos para lá de interessantes e teorias de cinema e outros ícones da cultura pop, tendo como pano de fundo o fato de todos os personagens estarem escondendo algo: Shoshanna se esquiva de um militar nazista apaixonado à medida que precisa da influência dele para por em prática seu plano; a estrela badalada Bridget von Hammersmark (Diane Krüger) precisa manter o equilíbrio quase insustentável em um bar onde judeus disfarçados e militares alemães se encontram, sendo ela mesma uma agente dupla; Landa é muito mais curioso pois mostra uma elegância quase convincente que é derrubada na primeira e única oportunidade que tem de salvação. O único que nada dissimula é o próprio Raine, um psicopata de mentalidade quase juvenil obcecado por sua fundamentada – levando em conta o contexto do seu meio de vida - obra-prima.
          Mesclando referências a filmes e artistas, o diretor faz uma homenagem a sua formação cultural bem ao estilo violento e humorado que rezam a marca de seus trabalhos. Bastardos Inglórios recebeu 8 indicações ao Oscar e foi saudado como o mais cerebral capítulo de sua carreira. Resta ao público esperar por seu próximo projeto. E que venham muitos. Por caridade.


domingo, 3 de julho de 2011

CINEMA EM DUAS DIMENSÕES

Dennis Hopper e Peter Fonda no genial Sem Destino
             O cinema está em crise faz três décadas. Suas salas estão cada vez mais vazias (guardadas as proporções populacionais) e seus filmes, à exceção de alguns, estão tolos e pouco transformadores. Também no fim dos anos 50 ele estava em baixa, ninguém se interessava mais por seus produtos que, de maneira geral, exaltavam a utopia norte-americana. Era a primeira vez que o ramo sofria uma crise tão drástica, muito ocasionada por uma lei que inviabilizou o sistema de estúdio e pela carência de histórias que falassem a língua da sociedade rock n´roll que estava se formando.
             Eis que surge uma geração de cineastas que viriam a estabelecer um novo padrão de arte cinematográfica, mesmo sendo eles figuras mal vistas e controvertidas, representantes de tudo aquilo que o american way desprezava, porém que se tornaram responsáveis por trazer as pessoas novamente às salas e criaram uma linguagem que produz frutos até os dias de hoje: Sem Destino, Bonnie e Clyde, Mash, O Poderoso Chefão, Táxi Driver, Corações e Mentes são alguns exemplos.
            O cinema, fora seu próprio nascimento, passou por três inovações técnicas fundamentais: o som, em 1927 com o filme O Cantor              de Jazz, a cor, em 1939 com E o Vento Levou, e o 3D, em nossos tempos com Avatar.
        Este último conta a história já bastante conhecida de Pandora, uma lua em um sistema solar distante, habitada pelos Na´Vi, humanóides gigantes e azuis, que compartilham uma ligação de respeito e auto-sustento com a exuberante natureza local. O ano é 2154 e os colonizadores humanos têm a ganância por um precioso minério que Pandora possui em grande escala. Como soa familiar, para botar as mãos neste precioso bem, os vilões humanos precisam dominar os habitantes locais e destruir o meio ambiente.
           Jake é um humano tetraplégico que através de uma tecnologia tem seus pensamentos e personalidade transferidos para o corpo de um Na´vi, e sob posse deste e livre no planeta, não demora para mudar de lado e lutar à favor daqueles que deveriam ser seus adversários, desencadeando uma guerra entre as espécies.
Cameron: alta técnica, baixa profundidade
             O 3D cumpre de forma excepcional o objetivo de transportar as pessoas para dentro da história, de levá-las a mergulhar na vida dos personagens e em seu mundo, que apesar de fictício tem formas absurdamente reais. E tal tecnologia faz isso brincando com os sentidos, obrigando o público, por exemplo, a virar o rosto para o lado da Sigourney Weaver quando ela fala, como se estivesse ao vivo, e ao desviar de tiros e de animais alados, como se eles fossem acertá-lo em cheio.

           Recebeu alguns Oscar, mas não os principais, mas prêmios pouco importam quando um filme atinge os feitos de Avatar, sendo ele o responsável, inclusive,  por tirar o cinema da crise a qual se encontrava há três décadas. E também não é um crime prever que daqui a pouco, quando o 3D não for mais novidade, o público poderá evadir das salas novamente, até que surja uma nova tecnologia que o faça voltar. ortanto seria bem mais prudente e bastante bem vinda uma nova onda de artistas, mesmo que mal vistos e controvertidos que se responsabilizassem por trazer um novo padrão de arte no cinema, e que falassem a língua da geração tecnológica.


segunda-feira, 6 de junho de 2011

ANTI-HERÓI AMERICANO

               Clint Eastwood é o ator ícone do que se conhece por anti-herói, um tipo não muito moral e ortodoxo nos métodos de aplicação da justiça - à começar que costuma os fazer com as próprias mãos - mas que possui um senso emocional positivo, mesmo que no decorrer do caminho extraia litros de sangue de seus desafetos.
              Revelado para o mundo nos westerns spaghettis de Sergio Leone, passando pelo nome policial mais durão entre os durões, o imortal Dirty Harry, o polivalente Clint  viu sua carreira ascender em uma sobriedade artística assombrosa após assumir a direção e produção de seus trabalhos, que resultou em obras de alto nível, e que arrasta sua câmera pela arestas culturais, sociais e políticas dos EUA: Bird, Os Imperdoáveis, As Pontes de Madison, Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro, Cartas de Iwo Jima.
            Em Gran Torino (EUA/2008), além de dirigir e produzir, interpreta Walt Kowalski, um racista veterano da Guerra da Coreia cuja esposa acaba de falecer e que se encontra diante da solidão envolto ao lugar aonde mora, tomado por gangues de coreanos, mexicanos, negros e pessoas de todas as minorias excluídas.
           O velho inicialmente repugna, mas vai cedendo aos poucos à sua nova companhia, na medida em que também passa a se envolver com seus problemas e da  violenta vizinhança estrangeira.
          O Walt Kowalski que no passado tirou a vida dos coreanos passa a querer salvá-los, em uma espécie expiação de seus pecados, sua redenção inconsciente. O mais irônico é que ele está defendendo seus vizinhos dos próprios compatriotas estrangeiros em um caldeirão aonde negros rivalizam com mexicanos, que odeiam os coreanos, que não respeitam os yankees, em um ciclo vicioso muito bem representado pela cena da discussão inicial entre duas gangues dentro dos carros: eles estão em posições opostas, mas seguindo para a mesma direção. O personagem de               Clint simboliza o american way life, o modo de vida americano que outrora foi vigoroso e convicto de seus ideais, está ultrapassado, doente e arrependido, mas que tenta, sob forte desconfiança, provar suas boas intenções. E todos aqueles que sofreram o peso da democracia americana, feita através das mãos de homens como Walt, também causaram seu processo de declínio, pois agoram reagem estampando seus rostos nas fichas policiais e somando números às estatísticas de violência.
        Ele queria dizer que não é a morte mas a vida que é agridoce.




domingo, 5 de junho de 2011

HACKFORD: BRILHO DE UMA MENTE TALENTOSA

Taylor Hackford é um daqueles profissionais de cinema que não são necessariamente geniais, mas que fazem bem a lição de casa ao construírem filmes interessantes com altas doses de diversão, buscando agradar ao público e às produtoras, engordando o caixa das últimas enquanto arrasa o quarteirão com o público.
Essa definição da carreira do produtor e diretor americano, marido da atriz Helen Mirren, pode ser sustentada por seu currículo que constam trabalhos como O Advogado do Diabo, Prova de Vida e Ray. Todos eles projetos que estão longe de se situarem entre os melhores, mas que reúnem grandes qualidades.
Um filme como Eclipse Total (Dolores Claiborne/EUA/95) soa simbólico: traz um elenco excepcional com os nomes de  Kathy Bates, Christopher Plummer e Jennifer Jason Leigh, é baseado em um livro do mais popular entre os populares escritores americanos, Stephen King (a trama não é sobrenatural), o suspense psicológico está recheado de flashbacks e reviravoltas, possui um conflito familiar de apelo razoável e a conclusão é surpreendente e indiscutível. Vamos à trama.
Selena (Leigh) é uma jornalista e escritora de sucesso em Nova York que possui traumas profundos da adolescência, e que a distanciaram definitivamente da mãe Dolores (Bates). Esta, por sua vez, é uma empregada doméstica acusada de assassinar a patroa rica. Selena lê a história pelos jornais e é obrigada a retornar à sua terra natal, menos para ajudar que para colher uma história interessante para publicar.
O encontro vai mexer no passado de mãe e filha e os flashbacks costurados na investigação conduzida pelo detetive John Mackey (Plummer) elucidam a trama e o comportamento de ambas.
Esse filme é uma pérola que ficou esquecida na prateleira das locadoras e que pode se tornar de cabeceira para quem se submeter a levá-lo. O roteiro é de Tony Gilroy, que fez uma saudável parceria com o diretor e juntos realizaram diversos projetos. À propósito, Tony estreou como diretor com o respeitado Conduta de Risco e mais recentemente dirigiu Duplicidade.
                Se tomarmos cinema como diversão de primeira linha, Eclipse Total cumpre perfeitamente o papel. E ainda é encabeçado por alguém que é mestre neste aspecto e que fica claro que essa é sua arte.










quarta-feira, 1 de junho de 2011

O AMOR VERDADEIRO

Conheço um filme que diz, em sua passagem principal, o seguinte: era um cartógrafo, designado para mapear as florestas da Sibéria, que em sua jornada encontrou um caçador nativo, inculto porém sábio, e juntos seguiram o caminho. Durante uma tempestade encontraram uma cabana abandonada e lá ficaram para se protegerem. Ao raiar do sol e arrumarem as trouxas, disse o caçador: - "Deixe um pouco de arroz e sal". E perguntou o cartógrafo: - "Mas para quem, se tal cabana não há alma viva para habitar?". Respondeu o sábio: -"Para alguém em situação igual à nossa, que da chuva se abrigar aqui, e de fome não morrerá."
Pergunto eu. Que alma adiante as nuvens é essa, que se preocupa com alguém que não conhece? Indo adiante, que nem sabe se vai existir?
O filme? Dersu Uzala.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ideia

O ontem é vapor, o agora é eterno, o amanhã é metafísico.
O ontem já foi amanhã, e também agora, mas agora está congelado.
Agora já passou, se tornou ontem, amanhã não tem.
Amanhã será agora e também ontem.
Amanhã inexiste, é fé. Ontem é sinapse sedimentada. Agora é corpo.
Agora é real, mas já passou, se tornou ideia.
Amanhã é o agora. Mas também já passou.
Amanhã será corpo, mas ainda é fé. Quando chegar o amanhã, se tornará ideia.
Sinapse existe no amanhã, que quando toma corpo vira ideia.
Amanhã nunca existiu, ontem nunca existiu, o agora existe.
Mas quando for agora, deixará de existir.
Será que existe tempo e existimos no tempo?
Existe algo ou a ideia ou sinapse disso?

segunda-feira, 11 de abril de 2011

BOSSA SIMPLES NOVA


     Foi ao observar o barquinho no mar, as pessoas na areia, a natureza e as cenas simples do cotidiano carioca que Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto criaram as primeiras canções da bossa nova. Como as ondas do mar, infindáveis e constantes, nasceram as batidas simples e compassadas desse ritmo meio jazz com gingado verde e amarelo que expressa em seus acordes a raça multicultural e cheia de traços dos brasileiros.

     Os três falavam através das letras e melodias que tais cenas, humildes como são, determinam uma existência intensamente feliz. E para a bossa, o universo se resume à felicidade. A bossa da bossa é justamente contar e cantar a felicidade mesmo que ela esteja oculta em um amor perdido, uma tristeza passante ou não passada. Para a bossa, amar e sofrer são inseparáveis, e só quem consegue amar um barquinho ou um banquinho é realmente feliz.

     “Chega de Saudade” – a primeira canção -  veio pelas mãos de Tom e Vinicius e voz de João. O 78 rotações imortalizou o estilo de compasso ritmado e cheio de frescor que trazia em sua batida.

     Logo Chega de Saudade estava na boca de todos. Eram as vozes de Silvinha, Nara, Lúcio, Dick e João que representavam na música o que de melhor a juventude dos anos 50 havia produzido. Era esse vigor da pouca idade que fazia sobreviver até no mais velho dos corpos uma brisa de esperança em um país que prometia ser do futuro.

     Não demorou para o desafino inebriante fazer grandes nomes internacionais se embriagarem. Primeiro os ouvidos de Frank Sinatra e depois instrumentistas geniais como Charlie Parker e Stan Getz foram atraídos pelo jeito fácil, porém profundo de tocar. Um ritmo brasileiro com sotaque mundial. A unidade do todo e o todo na unidade. A simplicidade que condensa os mais complexos desejos humanos expressados em poucos acordes e desafinadamente.

     A arte de Tom, João e Vinicius não era a música ou poesia e sim a bossa. E bossa não é música, mas um estado de espírito, e colocou o Brasil em transe há mais de 50 anos.


                                         Chega de Saudade na versão de 1959







sexta-feira, 1 de abril de 2011

MULHER IMPRESSA EM PELÍCULA

     De mulher o cinema entende. É um velhinho que sabe explorar com profundidade as curvas do universo feminino e admirar suas musas.
     Louise Brooks em A Caixa de Pandora, filme de 1929, deixou as pessoas perplexas e cheias de sonhos libidinosos com sua personalidade forte e olhar hipnotizante, sem falar no corte de cabelo que virou moda  e pode ser visto até na cabeça de Mayana Moura na novela Passione (apesar desta não ter a mesma beleza). Marilyn Monroe teve seu vestido branco levantado e se viu (e foi vista) como o maior sex symbol de todos os tempos. Os olhos de Bette Davis viraram  música de Donna Weiss e Jackie Deshannon. Greta Garbo, mesmo com aquela beleza estonteante, preferiu ficar só (I want to be alone); Cyd Charisse quebrou as pernas de todos quando mostrou as suas em Cantando na Chuva.
     Não quero citar nem me conter: a boca de Angelina Jolie, o estilo de Diane Keaton, a sensualidade de Scarlett Johansson, os olhos de ELizabeth Taylor, a pinta de Eva Mendes, a competência de Jodie Foster. E por aí vai uma lista de detalhes grandiosos que não (graças à Deus) tem fim.
     Os títulos de filmes com nomes femininos geram outra lista: Laura, uma femme fatale das piores, ou das melhores dependendo da posição; O Segredo de Vera Drake, uma altruísta fora-da-lei, mas que não é a mulher de Robin Hood; Erin Brockovich, que tem uma penca de filhos e uma mixaria no bolso mas dá a volta por cima. E esta lista também é interminável, basta pesquisar no site IMDB. Existe até Tootsie, uma mulher das mais esquisitonas, pois a verdade é que ela... bem, deixa pra lá, melhor ver que ler.
     Mulheres Perfeitas as tem como robôs criados para controlar, E O Vento Levou...  como a força da natureza. A mulher se tornou o Diabo no filme que lançou Brigitte Bardot, mas em As Pontes de Madison a mulher é o anjo da vida de Clint Eastwood. Thelma e Louise mostraram como é ser livre, porém em Monster a personagem era sua própria prisão. Meu pé Esquerdo é um filme de filho para mãe e Num Lago Dourado de pai para filha. Em Baleias de Agosto, irmãs são para toda hora. A Festa de Babette mudou para melhor a vida dos convidados, em Quem tem Medo de Virgínia Woolf o casamento nunca mais foi o mesmo.
     Mas para ter tantas deusas assim, houve a urgência de profissionais com talento, competência e apaixonadas pelo que fazem. E o cinema é este vovô de 100 anos com energia de 20 que sabe explorar, no bom sentido, a mulher.
    O importante é que Garbo ainda ri e é a mais bela, Marilyn a mais sexy e Carmen a mais deliciosamente extravagante, e elas estão impressas em película.




                                                                                                    Crédito Vídeo: Rangel Librelato




                                                                                Música: Bette Davis Eyes      Interp. Kim Carnes

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA


     Em Hollywood reza a seguinte lenda: para ganhar um Oscar interprete algum papel que espelhe as indignações e manias da sociedade politicamente correta. Por exemplo: se for bonita, se apresente como feia (Charlize Theron em Monster, Elizabeth Taylor em Quem tem Medo de Virginia Woolf?); viva alguém com alguma síndrome (Tom Hanks em Forrest Gump, Dustin Hoffman em Rain Man, Russel Crowe em Uma Mente Brilhante); esteja no fim da carreira e da vida (Katharine Hepburn e Henry Fonda, ambos em Num Lago Dourado, Jessica Tandy em Conduzindo Miss Daisy); faça um gay (Tom Hanks por Filadelfia, Willian Hurt em O Beijo da Mulher Aranha, Hillary Swank em Meninos Não Choram). Se nada idsso der certo, então interprete uma vítima ou personagem contundente do Holocausto (Roberto Begnini em A Vida é Bela, Adrien Brody por O Pianista). 
       Desta lista, apenas o último item nos interessa para justificar o primeiro Oscar ganho por Kate Winslet, não que ela não mereça, mas veio após ter sido indicada 5 vezes por papéis infinitamente maiores do que este.  Em O Leitor (The Reader/Ale/EUA/2008)  a atriz vive Hanna Schmitz, uma mulher fechadona por volta dos 35 anos que ajuda por acaso um adolescente que passou mal nas ruas de Berlim. Michael, o garoto, vai direto para a cama de Hanna e  para eles não há nenhum problema com a diferença de idade ou por não saberem muito um do outro. Mesmo com o caso se arrastando por meses o que importa é o sexo (ou o primeiro amor para o menino) e os livros que ele lê para ela a cada dia que se veem. Isso até a moça desaparecer subitamente.
    Os anos passam e Michael, já na faculdade, está a caminho de uma audiência que será discutida em aula, lá ele reencontra Hanna e temos a revelação de quem ela foi e - graças a Deus - a imaginação para supor as razões para as decisões que tomou.
    O diretor Stephen Daldry dirigiu As Horas e aqui repete a habilidade em lidar com temas complexos com fluência narrativa e delicadeza, mesmo que não ofereça retorno convincente para o que se propôs a discutir. Na verdade o filme, ou livro originalmente, resumiu praticamente toda a ação nazista em uma única teoria: os seres humanos seguem as leis, não a moral. Seguindo esta defesa de que leis e pessoas, de uma maneira geral, são simplórias e ao estender isso à Hanna, dá para supor que seu destino foi definido por um miserável abraço, aquele que Michael negou a ela.
      A personagem rendeu Oscar, Globo de Ouro e homenagens à sua protagonista. E tudo por que, além da competência e ao contrário da beleza da atriz, Hanna é feia, velha, tem a boca branca, cabelos desgrenhados e viveu a II Guerra.